terça-feira, 16 de outubro de 2012

Oblivion

A noite era escura e não haviam estrelas no céu. A familiar brisa congelante passeava pelas ruas desertas e levemente amareladas pela luz dos postes, uivava entre os prédios.
A garota de cabelos coloridos, caminhava pela estrada, sem rumo, vestindo seu inseparável casaco preto, calças e tênis sujos e desgastados de tanto caminhar. Havia fugido de casa. Seu único amigo havia morrido. Os problemas com os pais a sufocavam, ela não suportava mais, apesar de ter a certeza de que, nessa hora, em algum lugar, sua mãe, desesperada e acompanhada pela polícia, a procurava.
Cantarolava, rodopiando e dançando enquanto andava, rindo. Sentia o gosto da liberdade, mesmo que não parecesse tão bonita como a maioria das pessoas imaginam. Ainda sim, era o paraíso para ela. O sorriso da mais pura felicidade estampado em seu rosto não enganava - estava realizada.
"Eu disse que esperaria para sempre", ela sussurrou, com seus dançantes e alegres passinhos que a levavam para uma ferrovia qualquer.
A buzina soou.
O maquinista gritou.
A luz aproximava-se rapidamente.
"Te vejo em breve. Numa noite escura, como prometido". Soltou uma risadinha, mesmo com a lágrima que acabara de cair de seu olho, escorrendo por sua bochecha pálida como leite.

Dias depois, a mãe, desesperada, agarrava-se a uma bíblia, com seus olhos arregalados ao ver o corpo da filha desmontado pelo impacto, inerte e ensanguentado.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Re-cosmogonia - Animor

- Não estou vivo. - eu implorava ao universo, tomado pelas brumas caóticas de uma trevosa nebulosa, que envolvia-me bela e dolorosamente. De fato, estava acostumado com minha morte. Com minha melancolia, e com minhas dores, e mais ainda, com não compartilhá-las com as outras estrelas. Elas brilhavam em outra coloração.
Então vi. A pequena luz azulada tentava escapar dos asteróides que violentos como um furacão, rodeavam-me, enquanto aproximava-se de mim. Senti que aquela luz emanava um doce aroma, e uma sensação que não sentia há muito. Assustado (e curioso), perguntei-lhe:
- Qual é seu nome, luz?
E respondeu-me o nome que apenas eu e ele sabíamos. E depois de ter pronunciado, percebi que minha nebulosa não estava mais negra, trevosa, e meu coração já não era mais um buraco negro. Brilhava com todas as cores que os homens conheciam. As estrelas, tomadas de inveja, explodiram, colorindo mais ainda o véu ígneo que me envolvia. Gritei teu nome, e brilhaste também. Nuvens feitas de luz, explodindo, saíram da pequena luz que era, e se tornaram parte de mim. Logo, transformaste em uma nebulosa também. Então, amei-te. E desse ato, a vida em mim surgiu. E ela pulsava, brilhava, contagiava, gargalhava, dançava.
Temeroso e traumatizado, perguntei-lhe:
- E se a bruma voltar?
E respondeu-me:
- Animor.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

La Femme De La Mer

Apodreça, entorte, despedace-se, sangre, e ajoelhe-se diante de mim clamando por minha ajuda, por um gole d'água.
Estarei no mesmo lugar de sempre, em meu trono aveludado obscuro, cercado pelas profundezas do oceano que correram de meus olhos, por sua causa.
Realmente, amei-te. E amei desesperadamente, cegamente, como o céu que se rasga com o brado de Zeus, como a estrela distante de Gaia que, em todo seu fulgor, extermina-se, e esvai, inexiste. Não sabes, amado meu, o quanto minh'alma despedaçou-se pelos seus sorrisos, por suas inquietas mãos e por suas cortantes palavras que insistiam em tocar-me.
E aquele que antes acariciava-lhe como as gotas sutis e revigorantes que despencavam gentilmente dos céus, virá para ti como as furiosas e imponentes ondas do mar, como as voláteis sereias, que atrás de sua beleza inexplicável, escondem suas mais profundas feridas - profundas como o oceano.
Oh, por que, jovem rapaz, por infortúnio do destino, cruzaste minha vida? Eu não queria! Tu também não, e por isso machucou-me tanto - porque não sabia, e ignorava-me.
Grite, meu amor, grite enquanto eu choro por ti, enquanto eu canto para os sete mares que amei-te, que amo-te, e que derramo-me e arrebento-me inteiramente por ti. Afinal, não foras tu o culpado do oceano que carrego em minhas costas, olhos e coração? Pelas pedras que me arremessam?
Não há necessidade de preocupar-se com essa corda apertada em seu pescoço, amado, que te impede a respiração e te priva de olhar de longe o reino dos silfos. Não, amor... isto é apenas meu coração. Bem vindo.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Deuses

Não, não é um post artístico e dramático, perdão, rs. Mas o blog é meu, e resolvi postar minha opinião sobre deuses.
Pois bem, não encaro os deuses como seres transcendentais (como o Deus cristão). Não acredito que sejam super humanos que criaram os humanos. O homem veio da Natureza, e a Natureza é a Deusa, portanto os deuses. Acredito que o céu belo, trevoso e noturno sempre esteve lá, exercendo seu papel de sempre, e apenas depois foi chamado de Nyx. E assim com todos os deuses.
Isso estende uma pergunta do tipo "se você acredita que deuses são tão 'humanos', como você explica a relação de Zeus com os raios, de Aine com fadas, de Lir com o mar?".
Porque o homem é a natureza, faz parte dela. Suas emoções, seus instintos, sua vida inteira é uma manifestação da natureza. As coisas externas são internas, e vice-versa. O homem é um microcosmo. E um macrocosmo também. Tudo está relacionado.
Portanto, deuses são interpretações da mente? São, mas o universo é mente. Portanto os deuses estão no universo.
Eles existem tanto quanto o copo que está do meu lado, tanto quanto a cama na qual eu estou sentado, quanto eu. Tudo existe. 
Destaco, porém, que suas variações tenham sido determinadas por arquétipos. E esses arquétipos, sim, são algo externo ao homem, algo que, de alguma forma, o influenciou, e influencia até hoje.
Inclusive, eu ligo os arquétipos com os deuses relacionados à outros planos (Aine, Tiamat, et cetera).

Enfim, posso estar errado.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Ceremonials

"Cabrum!" - exclamou o alvo céu nublado, pesado. O dia havia escurecido pelas melancólicas nuvens, e a brisa congelante exterminara o calor que horas antes acalentava os corações dos jovens enamorados ali, na frente da escola. Eu, como sempre, estava sentado na grama, perto da árvore. A árvore na qual meses atrás estávamos riscando nossas iniciais, rindo porque era clichê. Infelizmente, os ali presentes ficariam até anoitecer, estavam munidos de capas de chuva, guarda-chuvas e calor humano - haveria um evento qualquer.
Contrastando o cenário cinzento, minhas roupas quase fluorescentes de tão coloridas destacavam-me, alimentando minha recente fama de depressivo e isolado. Eu não conseguia chorar por sua morte, pois não conseguia aceitá-la. Não como algo que fosse contra a minha vontade e eu estivesse revoltado, mas porque a ficha não tinha caído. Você simplesmente não havia morrido. Aquele corpo no caixão era apenas um clone. Sua família estava lamentando por outro filho com o mesmo nome.
Lembrei de suas velhas manias de fazer cambalhotas pra me alegrar - sempre funcionava. E foi o que fiz. Na frente de todos aqueles adolescentes, estava eu, "sozinho", dando cambalhotas e rindo. Curiosamente, ouvi sua risada.
Zeus lançou mais outro brado, e o céu começou a chorar - por mim, eu suponho. Realmente parecia, afinal, torrentes desciam das nuvens.
Escureceu. O evento já tinha acabado (era uma apresentação qualquer, de uma banda qualquer), e eu continuava ali, envolto pelas sombras e pelo frio trincante, dançando, rodopiando, dando cambalhotas e rindo. Rindo porque eu sabia que você estava do meu lado, rindo comigo (ou de mim). Sentia o calor do seu sorriso contrastando com aquela ventania que chicoteava minha alma. Sentia sua presença. Seu abraço.
Foi então que a ficha caiu. Você havia morrido.
Desabei, chorando junto com as brumas que inundavam o céu. Joguei-me contra a árvore, arranhei seu tronco. Meus dedos sangraram, mas não mais que meu coração.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Memórias póstumas de um velho coração

Talvez seja perda de tempo escrever sobre amores platônicos ou sobre como sofro por eles. Mas são fonte de grande inspiração, rendem ótimas linhas dramáticas.
Eu não gostaria nem deveria amar-te. Mas esse feminino coração, o qual você mastigou, apunhalou e estourou, sem ao menos saber do fulgor que alimento por ti, vive me pregando peças e fazendo-me de bobo. És tão ingênuo, jovem menino. E tão amável. E por isso lhe odeio - por não poder tê-lo. Lhe odeio imensamente, infinitamente.
Divirta-se com minhas palavras pobres e minha feiúra, gargalhe aos som dos gemidos que, melancolicamente, eu soltei enquanto furiosamente desejava-te, solitário. Caminhe com seus pés angelicais sobre meu coração que, masoquista, extasia ao ser pisoteado por você. Cumprimente-me, toque a minha mão nojenta e freneticamente necessitada da sua, e que deseja bestialmente derramar teu sangue.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Dubstep

Como sempre, era noite. Na próxima semana iriam começar os apelos comerciais porque seria véspera de Natal. A cidade estava bastante iluminada, pelos carros, postes, prédios, festas. Estávamos sentados em cima do prédio, com as pernas balançando no limite do topo do prédio, suicidas. Começou a chover. E a água que o céu derramava não era fria. Estava morna.
Ele, com seus olhos turquesa reluzentes que contrastavam com o negro brumoso de seus cabelos, fitou-me profundamente. Sorriu, sugestivo. E como me conhecia, sabia da minha reação - eu o olharia, arqueando a sobrancelha. De fato, foi o que fiz.
- Existe o paraíso? - perguntou-me, deliberadamente. Não estranhei sua pergunta, vivíamos trocando idéias aleatórias a todo momento.
- Existe - eu respondi. E fui argumentado com um ingênuo "e aonde está?".
Toquei em sua testa e em seu coração, e sorri. Ele sorriu também.
- Então existem muitos paraísos, não é? - disse ele, infantil, mesmo com sua aparência diabolicamente agressiva e angelicalmente sexual.
- Existem. Muitos.
As gotas pararam antes de cair no chão. O mundo havia congelado. Luzes azuis dançavam entre nós, eram quase tão líquidas quanto a água que agora estava parada no tempo - como toda a cidade, exceto por nós. Os prédios caíam, mas milagrosamente não nos afetavam. Eu via os carros andando em direção à lua, e as ondas violentas do mar rondando a cidade, num tornado. Tudo era levado. Tudo sumiu. Ficamos só eu e ele.